Alguns Pensamentos sobre ser Guiado pelo Espírito Prof. Herman C. Hanko
Existem
várias expressões similares que estão aparecendo com crescente
freqüência na imprensa religiosa.* Lamentavelmente, elas são encontradas
freqüentemente nos lábios de conservadores; isto é, aqueles que sempre
foram geralmente reconhecidos como o lado conservador da religião contra
os liberais. Essas expressões parecem piedosas, e deixam uma boa
impressão na mente de muitos quanto à ortodoxia daquele que as usa. Tais
expressões, tenho observado, estão tendo um efeito considerável também
sobre o povo em geral, pois tenho ouvido a expressão (ou alguma forma
dela) dos lábios de várias pessoas em mais de uma ocasião. Assim, esse
não é um assunto de pouca importância.
As expressões as quais me
refiro são algo semelhante a isso: “Estou esperando a orientação do
Espírito Santo nessa questão”. “Estou pronto para seguir a liderança do
Espírito”. “O Espírito colocou no meu coração que…”. “O Espírito deve
nos mostrar o caminho nesse assunto”. “Oremos por direção do Espírito”.
Você já deve ter ouvido ou lido tais expressões, ou similares. Todas têm
isso em comum: falam de viver e tomar decisões por meio da orientação
do Espírito Santo.
Isso soa muito piedoso e parece indicar uma vida espiritual forte.
Num
jornal recente de uma Igreja, outro aspecto dessa questão toda foi
discutido. O autor de um artigo estava falando de “pecados contra o
Espírito Santo”. Ele afirmava que existem duas maneiras de alguém pecar
contra o Espírito. Uma dessas é afirmar que o ativismo social é
realmente a obra do Espírito. Alguém peca, então, quando atribui certas
obras ao Espírito (tais como a ofensiva vietcongue no Vietnã, os
esforços de negros para adquirir direitos iguais, movimentos liberais de
mulheres, etc.) que não são o fruto do Espírito de forma alguma. Mas
existe outra forma de pecar contra o Espírito. É negando a presença do
Espírito em movimentos onde o Espírito está obviamente trabalhando.
Quando alguém nega que o Movimento Jesus, Explo 72, cruzadas Billy
Graham, Pentecostalismo, etc. não são obras do Espírito, essa pessoa
peca contra o Espírito da mesma forma que o liberal peca contra o
Espírito ao reivindicar a obra do Espírito que o Espírito nunca fez.
Falando
de modo geral, quando alguém fala sobre ser guiado pelo Espírito, ou
levado pelo Espírito, ou esperando que o Espírito mostre o caminho, ele
está falando de um problema particular que está enfrentando. Eu tenho,
por exemplo, lido essa expressão em conexão com pessoas que estavam
tentando resolver se deveriam ou não deixar uma denominação que estava
obviamente passando a abraçar uma doutrina falsa. Elas permaneceram em
sua denominação, mas diziam estar esperando que o Espírito lhes
mostrasse o que deveriam fazer. Ouvi a mesma expressão usada
repetidamente em conexão com uma grande quantidade de renovação
litúrgica em nossos dias. Devemos, assim é dito, dar ao Espírito livre
controle em nossos cultos de adoração. Devemos liberar o Espírito, pois a
Igreja tem por muito tempo acorrentado o Espírito em formas de adoração
estereotipadas. Novamente, a expressão é às vezes usada em apoio dos
Programas de Ênfase Evangelística, em várias igrejas onde as pessoas são
urgidas a alterar radicalmente toda a estrutura política da Igreja, de
forma a dar ao Espírito mais lugar para operar. Somente então o
evangelho se tornará eficaz e terá uma influência livre sobre as
comunidades ao nosso redor. Somos então lembrados que o Espírito é como o
vento, que “assopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não sabes de onde
vem, nem para onde vai” (João 3:8).
Esse tipo de coisa me
perturba grandemente. E existem, parecem-me, problemas insuperáveis em
tudo isso. Eu posso, por exemplo, pensar e afirmar que o Espírito me diz
para permanecer numa denominação apóstata durante um tempo ainda. Mas
meu irmão que pertence à mesma congregação e está tão determinado em
manter a verdade quanto eu, me informa que o Espírito lhe disse que
chegou o tempo de partir e procurar a pregação pura da Palavra. Quem tem
o Espírito? Eu ousaria dizer-lhe que ele está confundindo a liderança
do Espírito com algumas influências demoníacas de um tipo ou outro? E se
ele me disser que não estou sendo guiado pelo Espírito em minha decisão
de ficar, mas que estou agindo com segundas intenções? Quem estará
certo? Quem pode dizer?
Nem adianta fazer do assunto todo uma
questão de consciência, pois a consciência de cada homem dirá algo
diferente. E alguém pode concluir que é impossível dizer como ou onde o
Espírito opera, e impossível saber se o Espírito está operando de alguma
forma. Mesmo que o Espírito aja como o vento, isso significa que nunca
podemos decidir com alguma certeza onde o Espírito deve ser encontrado?
Isso tudo me parece levar ao lamaçal do subjetivismo espiritual e a um
tipo de agnosticismo moral de forma que, com respeito às questões
centrais do nosso chamado, não temos forma de determinar com certeza o
que o Espírito tem a dizer e para onde está guiando.
Se levada ao seu extremo, essa é uma situação sem esperança.
Existe
uma resposta para tudo isso. Essa resposta é um princípio que tem sido
estimado pelas Igrejas da Reforma desde os princípios do século XVII,
quando os Reformadores apresentaram suas visões sobre esse assunto. E a
resposta é simplesmente essa: as Escrituras são a única regra de fé e
prática [vida]. Recebemos da parte de Deus o padrão objetivo das
Escrituras. É a Palavra de Deus para nós, que cobre tudo da nossa vida e
chamado. É algo que todos podem entender. É uma regra e cânon para nós
em nossa vida. Foi dada com uma lâmpada para os nossos pés, e uma luz
para o nosso caminho. Ela sempre mostra o caminho.
De fato, o
Espírito opera no coração do povo de Deus de tal forma que os leva e
guia. Paulo até mesmo fala em Romanos 8:14 do fato que “todos os que são
guiados pelo Espírito de Deus, esses são filhos de Deus”. Mas existe
uma firme verdade que deve ser mantida e defendida: nunca existe direção
do Espírito à parte da Palavra de Deus. O Espírito age sempre e somente
em conexão com a Palavra – nunca à parte dela. De fato existe direção
dada pelo Espírito no coração e vida do povo de Deus. Mas isso nunca
pode ser um testemunho do Espírito divorciado do testemunho objetivo das
Escrituras. Quando a obra do Espírito é isolada dessa forma das
Escrituras, não existe nenhuma obra do Espírito de forma alguma; e o
homem se entrega aos seus desejos pessoais, imaginações selvagens e
coração enganoso. O Espírito age em conexão com a pregação da Palavra
acima de tudo. Ele renova, ilumina, restaura e aplica essa Palavra. Mas,
quando um crente se sujeita às Escrituras e se curva humildemente
diante da Palavra de Deus, então, mesmo em sua vida pessoal, ele pode
esperar que o Espírito fale com ele dirigindo-o em sua vida e chamado,
mas sempre apontando para ensinos específicos das Escrituras. Não existe
nenhuma luz interior, nenhuma revelação subjetiva, nenhum discernimento
pessoal que o Espírito dê à parte das Escrituras. Elas são uma firme
rocha na qual a nossa vida deve estar alicerçada. Quando o Espírito nos
diz o que as Escrituras dizem, então, e somente então, sabemos que
estamos sobre terreno seguro.
Quando alguém alega, portanto,
permanecer numa denominação apóstata que não pode ser resgatada aos
caminhos da verdade e da justiça; quando ele sabe que um testemunho fiel
da verdade pode acontecer somente por meio da separação, então ele pode
estar certo que o Espírito não lhe dirá para permanecer mais um pouco. E
ele não deve falar sobre esperar a direção do Espírito nesse assunto.
Quando
um homem está intentando liberar o Espírito (parece-me estranho como
alguém que está comprometido à fé na obra soberana do Espírito possa
falar de “liberar” o Espírito) por meio de renovações litúrgicas e
alterações nas estruturas eclesiásticas por causa de vários programas
evangelísticos – tais como Explo 72** ou Key '73** –, então ele faria
melhor indo primeiramente à Palavra de Deus, e se debruçando diante dela
para descobrir o que a Escritura requer com respeito à estrutura
institucional da Igreja, princípios da adoração a Deus e programas
evangelísticos. Se ele deseja ardentemente a direção do Espírito, o
Espírito lhe mostrará imediatamente que esse tipo de coisa é contrário à
Palavra de Deus, e que o Espírito nunca agirá de tais formas. De fato,
se persistir, ele não estará liberando ou seguindo o Espírito, mas
desafiando-o e seguindo seu próprio caminho prepotente e arrogante a
despeito do que o Espírito disse na Palavra de Deus.
Devemos,
João nos diz em sua primeira epístola, testar os espíritos para ver se
eles procedem de Deus. Existem muitos espíritos hoje que são chamados de
Espírito Santo. A Palavra de Deus dirá. Dirá a qualquer um que queria
ouvir. Dirá a alguém que seja iluminado pelo Espírito. Paulo fala
precisamente de tudo isso em 1 Coríntios 2:10-16, uma passagem que está
precisamente no contexto de sua pregação da Palavra de Deus aos
coríntios. Ele escreve: “Mas Deus no-las revelou pelo seu Espírito;
porque o Espírito penetra todas as coisas, ainda as profundezas de Deus.
Porque, qual dos homens sabe as coisas do homem, senão o espírito do
homem, que nele está? Assim também ninguém sabe as coisas de Deus, senão
o Espírito de Deus. Mas nós não recebemos o espírito do mundo, mas o
Espírito que provém de Deus, para que pudéssemos conhecer o que nos é
dado gratuitamente por Deus. As quais também falamos, não com palavras
de sabedoria humana, mas com as que o Espírito Santo ensina, comparando
as coisas espirituais com as espirituais. Ora, o homem natural não
compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e
não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente. Mas o
que é espiritual discerne bem tudo, e ele de ninguém é discernido.
Porque, quem conheceu a mente do Senhor, para que possa instruí-lo? Mas
nós temos a mente de Cristo”.
Sem dúvida, estou ciente do fato
que existem problemas específicos da vida, que não estão especificamente
revelados na Escritura. Refiro-me, por exemplo, ao fato que um jovem
pode, em seus anos de escola secundária, crer que foi chamado para ser
um ministro do evangelho. Provavelmente falará sobre o assunto com seus
pais e seu pastor; e eles, se forem pessoas piedosas, lhe dirão que deve
procurar conhecer a vontade de Deus nessa questão. Ele pode, presumo,
ser instado a seguir a orientação do Espírito para buscar uma resolução
do seu problema. Ele nos assegurará rapidamente que não existe nenhuma
passagem específica na Escritura que tenha o seu nome nela, e que aponte
objetivamente que ele foi chamado para o ministério. E existem mais
problemas como esse na vida. O que fazer? Não temos um caso aqui onde,
em questões específicas, a orientação do Espírito é à parte do
testemunho objetivo da Palavra de Deus?
Não, mesmo isso nunca
acontecerá. Em primeiro lugar, a decisão toda é feita dentro do contexto
das Escrituras que falam do fato que os homens de Deus dentro da Igreja
são chamados por Deus para serem embaixadores de Cristo na pregação da
Palavra. E isso é importante e não deve ser subestimado. Em segundo
lugar, tal jovem deve fazer sua decisão em oração, buscando
cuidadosamente descobrir a vontade de Deus por uma consideração objetiva
de muitas circunstâncias diferentes. O Senhor deve lhe dar os dons e
talentos para fazer essa obra. O Senhor deve lhe dar um amor pelo
ministério e um desejo de estudar. O Senhor deve abrir o caminho para
ele estudar por muitos anos. Essas coisas e muitas outras são evidências
objetivas da vontade do Senhor. Mesmo então, quando tudo o mais for
dito e feito, nenhum homem é chamado para o ministério até que tenha
finalmente recebido tal chamado objetivo da própria Igreja de Cristo.
Ele deve responder, quando for ordenado, que crê ter sido chamado pela
Igreja de Cristo e, portanto, pelo próprio Cristo.
E assim se dá em tudo da vida.
A
história da Igreja de Cristo é uma história repleta com exemplos de
esforços feitos por parte dos ímpios para afastar a Igreja e os crentes
do padrão objetivo da Palavra de Deus. Toda heresia é uma tentativa de
fazer isso. Toda perversão de doutrina e prática tem isso como a sua
origem perversa. Mas se alguém abandona o padrão objetivo da Palavra de
Deus (e a história mostra como isso é verdadeiro), ele tem apenas duas
alternativas. Uma é estabelecer o padrão da razão como o árbitro final
de questões da vida. Isso é racionalismo; e a evidência é clara que a
Igreja teve sua porção de racionalistas no decorrer dos séculos. A outra
é estabelecer os sentimentos, as emoções, as convicções internas como
um padrão da verdade e da vida. Isso tem sido historicamente pietismo ou
misticismo, ou, como pode ser apropriadamente chamado em nossos dias,
neopentecostalismo. Essas são as únicas duas alternativas reais que
existem. Abandonando as Escrituras, a pessoa recorrerá à razão ou à luz
interior. Mas ambas são essencialmente a mesma coisa; pelo menos nesse
respeito, ao fazer do próprio homem o juiz final da verdade e do
correto, quer pela mente do homem, ou pelos seus sentimentos internos. E
ambas são subjetivismo. Uma total falta de esperança.
Existem
muitos que desaprovariam veementemente quaisquer tendências para com o
neo-pentecostalismo em suas vidas. Todavia, eles repetidamente falam da
orientação do Espírito como divorciada das Escrituras, e tornam-se, para
a confusão de todos, pentecostais de fato. Elas podem não falar em
línguas; e podem não crer na fé que cura. Mas quando se divorciam da
Palavra de Deus, caem na mesma armadilha mortal.
Sejamos, então,
guiados pelo Espírito, pois somos filhos de Deus. Mas estejamos muito,
muito certos que sabemos e entendemos que a orientação do Espírito vem
através da luz iluminadora das Escrituras, a Palavra de Deus.
Notas do tradutor:
* O autor está escrevendo em 1973. A situação mudou muito de lá pra cá e, infelizmente, para pior.
**
Conferência evangélica patrocinada pela Cruzada Campus para Cristo.
Aconteceu de 12 a 17 de junho de 1972, em várias localidades em Dallas,
Texas. Foi grandemente criticada por evangélicos conservadores devido ao
envolvimento ecumênico de protestantes e católicos no evento, bem como o
uso de música rock. Billy Graham falou em seis ocasiões diferentes
durante o evento.
*** Outro movimento evangelístico ecumênico.
Fonte: The Standar Bearer, Volume 49, Issue 11, Março de 1973.
Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto
retirado de : http://internautascristaos.blogspot.com.br